Acordei e ao fundo, tipo burburinho, gargalhadinhas de meninos e meninas excitadíssimos por estarem a chegar de autocarro à praia rodeados de gente do mesmo tamanho.
Abro a cortina, apoio-me no corrimão e sou de imediato cumprimentada por uma andorinha. Acertamos conversas e estabelecemos concordância em partilha de espaço.
Ela murmura-me e encolhe-se.
Compro pão na Bolaria e trago o Diário do Minho da Tabacaria.
As lojas abrem com tempo e às dez horas ainda se penduram roupas de praia, bolas e baldes, pás e forminhas, lenços e chinelos como se de reclamos luminosos se tratassem.
Com calma.
Cheios de tempo.
Passo pelo Mercado e espreito o que apanharam hoje de verdes. A Papelaria, o Sapateiro Artesanal, a Florista, a Sargaceira, o Mini-Mercado, o Cabeleireiro, a Loja de Artesanato que partilha toldo de rua com a Peixaria, o Salão de Jogos, a Imobiliária, o Banco e a Igreja.
Tudo no mesmo sítio.
Como se o tempo não lhe tocasse,
como se aqui ninguém mandasse mais do que quem cá está
e o que contasse fosse olhar o mar
e deixar o que for preciso para o poder fazer.
Tudo tem muito tempo para ser feito, na Apúlia quem dá as cartas está a oeste de tudo o que se pode ver, cheirar, tocar.
Ao chegar à Lota encontro uma das peixeiras que conheci no ano passado. Está de mãos nos rins a ver tudo o que mexe até à linha do horizonte. Está à espera de ver o marido. Ninguém com ela fala até o barco definir a primeira linha no mar.
Encolhe a cara atrás das rugas e fica ali, em murmúrios com a Nossa Senhora da Guia, à espera.
Há quarenta anos que o espera todos os dias pela manhã.
Faça sol, chuva, calor, frio, nevoeiro ou tempestade.
É o lugar dela no mundo, no extremo do alto da praia, a olhar para o mar até que o barco fique à distância da vista, do aceno que atira para o longe, sem resposta para mim perceptível, para ele.. incitadora.
Fiz a marginal pelo Castelo embalada por esta imagem em que a guardo e em que a revi este ano na certeza que não existe acto histórico, feito humano ou luta travada que não se encarem em prol da sobrevivência daqueles que amamos.
Muitos pensariam que o herói da minha história seria o marido, pescador, que enche o peito a cada dia de ninguém percebe bem com quê para entrar no mar e contar apenas com a sorte de voltar.
Mas a heroína que trago desta história é a sua mulher.
Que, todos os dias, põe o peito na borda da água porque existe apenas um homem a quem segue o rasto, que a leva para dançar e de quem recebe qualquer prata encontrada depois da rebentação, depois da linha, depois do lá longe.
Não deixo de levantar o canto da minha boca quando me cruzo com mais uma mulher que quer saber tanto do peito dela como eu do meu! Um aperto que passa a nada quando o comparo ao tanto que nela vejo sempre que o marido chega e desembrulha relatos do barco, da corrente, do pescado, do manel, das rochinhas na areia ou das gaivotas que não o largam. Rouba-lhe um beijo antes mesmo de ir pôr o barco a salvo.
Cheguei a casa e recolhi ao meu alto na praia.
Impus-me assimilação. Preciso perce(v)er que vida é esta além mar, além de como ela me aparece.
A andorinha canta-me.
Está um dia rasgado de praia. Adoro o consolo de um protector solar!
A memória dos cheiros salva-te ao puxar-te para um lugar de descontração.
Abres-te a sensações.
Entregas o corpo ao contacto com os elementos.
O Sol não descansa enquanto não coscuvilha todos os elos da tua coluna. A areia aninha-te e o vento tempera-te. Não fosse a natureza e correria sérios riscos de pensar que tinha perdido a sensibilidade ao toque.
E este mar que eu quero e amo, tanto! tanto!
Sal, salitre salgada. Misto alga, sargaço, iodo.
Fresco sem ser frio. Forte sem ser frívolo. Fundo sem ser fugidio.
Preciso mergulhar nele. Preciso de me fundir, de me limpar, confundir e libertar.
.
Não posso, por incapacidade de negligência, deixar de guardar a noite de trovoadas que se abriu na Apúlia.
A foto do dia tiro-a aos raios mudos e secos.
Apenas luz chicoteada no Mar.
O vento mudou a direcção e a velocidade das bandeiras.
Ao longe e a cru, sem sequência contável, raios a caírem verticais no mar, a flasharem os passos em volta de coices prateados.
O caderno fecha-se porque a Senhora da Guia anuncia O espetáculo vai começar.
No primeiro camarote, andorinha e companhia respiram em silêncio, para o sentir melhor.
Vil privilégio!
Da minha varanda não existe espetáculo a que não se assista.
Pois descobri que não sou do tamanho da minha altura,
sou do tamanho do que me nivela.
Abro a cortina, apoio-me no corrimão e sou de imediato cumprimentada por uma andorinha. Acertamos conversas e estabelecemos concordância em partilha de espaço.
Ela murmura-me e encolhe-se.
Primeiro imperativo: matar saudades da minha Apúlia.
Compro pão na Bolaria e trago o Diário do Minho da Tabacaria.
As lojas abrem com tempo e às dez horas ainda se penduram roupas de praia, bolas e baldes, pás e forminhas, lenços e chinelos como se de reclamos luminosos se tratassem.
Com calma.
Cheios de tempo.
Passo pelo Mercado e espreito o que apanharam hoje de verdes. A Papelaria, o Sapateiro Artesanal, a Florista, a Sargaceira, o Mini-Mercado, o Cabeleireiro, a Loja de Artesanato que partilha toldo de rua com a Peixaria, o Salão de Jogos, a Imobiliária, o Banco e a Igreja.
Tudo no mesmo sítio.
Como se o tempo não lhe tocasse,
como se aqui ninguém mandasse mais do que quem cá está
e o que contasse fosse olhar o mar
e deixar o que for preciso para o poder fazer.
Tudo tem muito tempo para ser feito, na Apúlia quem dá as cartas está a oeste de tudo o que se pode ver, cheirar, tocar.
Ao chegar à Lota encontro uma das peixeiras que conheci no ano passado. Está de mãos nos rins a ver tudo o que mexe até à linha do horizonte. Está à espera de ver o marido. Ninguém com ela fala até o barco definir a primeira linha no mar.
Encolhe a cara atrás das rugas e fica ali, em murmúrios com a Nossa Senhora da Guia, à espera.
Há quarenta anos que o espera todos os dias pela manhã.
Faça sol, chuva, calor, frio, nevoeiro ou tempestade.
É o lugar dela no mundo, no extremo do alto da praia, a olhar para o mar até que o barco fique à distância da vista, do aceno que atira para o longe, sem resposta para mim perceptível, para ele.. incitadora.
Fiz a marginal pelo Castelo embalada por esta imagem em que a guardo e em que a revi este ano na certeza que não existe acto histórico, feito humano ou luta travada que não se encarem em prol da sobrevivência daqueles que amamos.
Muitos pensariam que o herói da minha história seria o marido, pescador, que enche o peito a cada dia de ninguém percebe bem com quê para entrar no mar e contar apenas com a sorte de voltar.
Mas a heroína que trago desta história é a sua mulher.
Que, todos os dias, põe o peito na borda da água porque existe apenas um homem a quem segue o rasto, que a leva para dançar e de quem recebe qualquer prata encontrada depois da rebentação, depois da linha, depois do lá longe.
Não deixo de levantar o canto da minha boca quando me cruzo com mais uma mulher que quer saber tanto do peito dela como eu do meu! Um aperto que passa a nada quando o comparo ao tanto que nela vejo sempre que o marido chega e desembrulha relatos do barco, da corrente, do pescado, do manel, das rochinhas na areia ou das gaivotas que não o largam. Rouba-lhe um beijo antes mesmo de ir pôr o barco a salvo.
Cheguei a casa e recolhi ao meu alto na praia.
Impus-me assimilação. Preciso perce(v)er que vida é esta além mar, além de como ela me aparece.
A andorinha canta-me.
Está um dia rasgado de praia. Adoro o consolo de um protector solar!
A memória dos cheiros salva-te ao puxar-te para um lugar de descontração.
Abres-te a sensações.
Entregas o corpo ao contacto com os elementos.
O Sol não descansa enquanto não coscuvilha todos os elos da tua coluna. A areia aninha-te e o vento tempera-te. Não fosse a natureza e correria sérios riscos de pensar que tinha perdido a sensibilidade ao toque.
E este mar que eu quero e amo, tanto! tanto!
Sal, salitre salgada. Misto alga, sargaço, iodo.
Fresco sem ser frio. Forte sem ser frívolo. Fundo sem ser fugidio.
Preciso mergulhar nele. Preciso de me fundir, de me limpar, confundir e libertar.
.
Não posso, por incapacidade de negligência, deixar de guardar a noite de trovoadas que se abriu na Apúlia.
A foto do dia tiro-a aos raios mudos e secos.
Apenas luz chicoteada no Mar.
O vento mudou a direcção e a velocidade das bandeiras.
Ao longe e a cru, sem sequência contável, raios a caírem verticais no mar, a flasharem os passos em volta de coices prateados.
O caderno fecha-se porque a Senhora da Guia anuncia O espetáculo vai começar.
No primeiro camarote, andorinha e companhia respiram em silêncio, para o sentir melhor.
Vil privilégio!
Da minha varanda não existe espetáculo a que não se assista.
Pois descobri que não sou do tamanho da minha altura,
sou do tamanho do que me nivela.
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